quinta-feira, outubro 21, 2004
O telemóvel que um dia começou a falar (3)
Recomeçou a andar, não lhe apetecia apanhar o metro só para percorrer duas ou três estações, iria a pé até apanhar o barco e amanhã talvez não fosse trabalhar, afinal de contas não seria má ideia ir ao médico ou ao hospital, às urgências, ver se não se passaria algo de errado com ele, meu Deus, que calor insuportável estava.
Quando chegou ao Rossio, à esquina dos telefones, talvez por sugestão, ligou o telemóvel, parece que já se sentia melhor, talvez tudo não tivesse passado de um ligeiro momento de indisposição, estas coisas acontecem.
- Tu não és muito falador, pois não? Não é que a mim isso me incomode, também se for para dizer asneiras, mais vale estares calado.
Não podia ser, era impossível, os telemóveis não falam, NÃO podem falar, se assim fosse certamente o vendedor teria dito qualquer coisa sobre isso, é verdade que não se pára o progresso, mas isto, francamente, não tinha pés nem cabeça.
- É que tanto tempo na fábrica calado, sabes, o tempo que eles demoram no Japão para enviar todos aqueles componentes electrónicos de merda, apetecia-me conversar um bocadinho, porra, sei lá, o calor, a crise do Benfica, qualquer coisa!
Desligou o telemóvel e começou a andar, num passo rápido, até reparar que começava a respirar com dificuldade e que a camisa se lhe começava a colar às costas, maldita caloraça. Abrandou e na Rua Augusta procurou o lado da sombra, sempre aliviava um bocadinho.
Olhou para o telemóvel e começou a pensar seriamente em regressar à loja da Telecel, não se poderia excluir a hipótese de uma avaria do telemóvel. Imediatamente a seguir sentiu-se ridículo, a loja já devia ter fechado e depois um telemóvel que fala, avaria não deveria ser, antes um fenómeno extraordinário, um prodígio da electrónica, ou um acontecimento sobrenatural, "Ficheiros Secretos" ou coisa parecida.
Atravessou o Terreiro do Paço sem ter arranjado ainda solução. Quando chegou ao Cais das Colunas, ligou novamente o telemóvel.
- Claro, se fores do tipo intelectual, também pode ser. Pessoalmente, tenho uma queda pelos idealistas alemães, Schopenhauer e por aí fora. Interessa-te?
Desligou o telemóvel. Ficou a olhá-lo por um - breve - instante, depois passou os olhos em redor. Não havia muita gente no cais, mas o movimento era intenso na estação fluvial, onde toda a gente se apressava a regressar a casa.
Num gesto rápido, atirou o telemóvel, que descreveu uma curva larga antes de cair, quase em silêncio, no rio.
Ficou a observar o rio durante talvez um minuto, quase como se esperasse que o telemóvel viesse à tona, gritar por socorro.
Depois virou costas e foi apanhar o barco.
Recomeçou a andar, não lhe apetecia apanhar o metro só para percorrer duas ou três estações, iria a pé até apanhar o barco e amanhã talvez não fosse trabalhar, afinal de contas não seria má ideia ir ao médico ou ao hospital, às urgências, ver se não se passaria algo de errado com ele, meu Deus, que calor insuportável estava.
Quando chegou ao Rossio, à esquina dos telefones, talvez por sugestão, ligou o telemóvel, parece que já se sentia melhor, talvez tudo não tivesse passado de um ligeiro momento de indisposição, estas coisas acontecem.
- Tu não és muito falador, pois não? Não é que a mim isso me incomode, também se for para dizer asneiras, mais vale estares calado.
Não podia ser, era impossível, os telemóveis não falam, NÃO podem falar, se assim fosse certamente o vendedor teria dito qualquer coisa sobre isso, é verdade que não se pára o progresso, mas isto, francamente, não tinha pés nem cabeça.
- É que tanto tempo na fábrica calado, sabes, o tempo que eles demoram no Japão para enviar todos aqueles componentes electrónicos de merda, apetecia-me conversar um bocadinho, porra, sei lá, o calor, a crise do Benfica, qualquer coisa!
Desligou o telemóvel e começou a andar, num passo rápido, até reparar que começava a respirar com dificuldade e que a camisa se lhe começava a colar às costas, maldita caloraça. Abrandou e na Rua Augusta procurou o lado da sombra, sempre aliviava um bocadinho.
Olhou para o telemóvel e começou a pensar seriamente em regressar à loja da Telecel, não se poderia excluir a hipótese de uma avaria do telemóvel. Imediatamente a seguir sentiu-se ridículo, a loja já devia ter fechado e depois um telemóvel que fala, avaria não deveria ser, antes um fenómeno extraordinário, um prodígio da electrónica, ou um acontecimento sobrenatural, "Ficheiros Secretos" ou coisa parecida.
Atravessou o Terreiro do Paço sem ter arranjado ainda solução. Quando chegou ao Cais das Colunas, ligou novamente o telemóvel.
- Claro, se fores do tipo intelectual, também pode ser. Pessoalmente, tenho uma queda pelos idealistas alemães, Schopenhauer e por aí fora. Interessa-te?
Desligou o telemóvel. Ficou a olhá-lo por um - breve - instante, depois passou os olhos em redor. Não havia muita gente no cais, mas o movimento era intenso na estação fluvial, onde toda a gente se apressava a regressar a casa.
Num gesto rápido, atirou o telemóvel, que descreveu uma curva larga antes de cair, quase em silêncio, no rio.
Ficou a observar o rio durante talvez um minuto, quase como se esperasse que o telemóvel viesse à tona, gritar por socorro.
Depois virou costas e foi apanhar o barco.
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