quarta-feira, outubro 20, 2004
O telemóvel que um dia começou a falar (2)
- Que porra de cara, meu!
Parou e olhou à sua volta. Tinha ouvido a frase distintamente, uma voz masculina que era um misto de gozo e comiseração, e sentido que era a ele que alguém se dirigia, mas quem, ninguém próximo dele, ninguém olhava para ele, toda a gente passava normalmente, na azáfama dos fins de tarde de Lisboa.
- Bom, há coisas que não se podem escolher, não é?
Era a mesma voz, que coisa estranha, sabia que falavam com ele, como quando se está num sítio e se sente que toda a gente está a olhar para nós, por uma razão desconhecida, que desconforto, e aí é levar a mão disfarçadamente à braguilha, nunca se sabe, mas ao mesmo tempo damo-nos conta que toda a gente reparou nesse gesto que queríamos discreto...
- Então, que é que fazes na vida? Ohoh, meu... estou aqui, na tua mão!
Olhou para o telemóvel, tudo no aparelho parecia normal, lá estavam as duas barrazinhas de que lhe tinham falado, uma para a bateria, outra para a qualidade da cobertura da rede. Ele é que não podia estar normal, estava a ouvir coisas, alucinações auditivas, já tinha lido qualquer coisa sobre isso, na revista de Domingo do Correio da Manhã, essas coisas curam-se, aliás a gente ouve falar de tanta esquisitice, como aquela dos comprimidos para a tesão, que punham toda a gente a ver o mundo em azul...
- Não achas que era altura de me dizeres qualquer coisa, sei lá, como te chamas ou isso, afinal isto é uma relação que começa agora.
Carregou no botão e desligou o telemóvel. Fê-lo instintivamente, como para se proteger de alguma coisa. Sem reparar, viu que tinha chegado aos Restauradores e pôs-se a examinar a montra da Virgin, sem nada ver, na realidade, apenas na expectativa de ouvir de novo aquela voz, como uma coisa que a gente sabe que vai acontecer e que não pode evitar.
Mas nada aconteceu, nada mais ouviu, só os sons do trânsito e o silêncio dos clientes que abandonavam a Virgin, uns com sacos outros nem tanto.
Respirou fundo e sentiu uma pequena gota de transpiração que lhe percorria o pescoço, seria o calor, a canícula que Lisboa atravessava neste período bem poderia ter consequências graves para a saúde, os hospitais não tinham mãos a medir, tinha ele ouvido de manhã na rádio, insolações, também as pessoas tinham pouco cuidado, não é?
- Que porra de cara, meu!
Parou e olhou à sua volta. Tinha ouvido a frase distintamente, uma voz masculina que era um misto de gozo e comiseração, e sentido que era a ele que alguém se dirigia, mas quem, ninguém próximo dele, ninguém olhava para ele, toda a gente passava normalmente, na azáfama dos fins de tarde de Lisboa.
- Bom, há coisas que não se podem escolher, não é?
Era a mesma voz, que coisa estranha, sabia que falavam com ele, como quando se está num sítio e se sente que toda a gente está a olhar para nós, por uma razão desconhecida, que desconforto, e aí é levar a mão disfarçadamente à braguilha, nunca se sabe, mas ao mesmo tempo damo-nos conta que toda a gente reparou nesse gesto que queríamos discreto...
- Então, que é que fazes na vida? Ohoh, meu... estou aqui, na tua mão!
Olhou para o telemóvel, tudo no aparelho parecia normal, lá estavam as duas barrazinhas de que lhe tinham falado, uma para a bateria, outra para a qualidade da cobertura da rede. Ele é que não podia estar normal, estava a ouvir coisas, alucinações auditivas, já tinha lido qualquer coisa sobre isso, na revista de Domingo do Correio da Manhã, essas coisas curam-se, aliás a gente ouve falar de tanta esquisitice, como aquela dos comprimidos para a tesão, que punham toda a gente a ver o mundo em azul...
- Não achas que era altura de me dizeres qualquer coisa, sei lá, como te chamas ou isso, afinal isto é uma relação que começa agora.
Carregou no botão e desligou o telemóvel. Fê-lo instintivamente, como para se proteger de alguma coisa. Sem reparar, viu que tinha chegado aos Restauradores e pôs-se a examinar a montra da Virgin, sem nada ver, na realidade, apenas na expectativa de ouvir de novo aquela voz, como uma coisa que a gente sabe que vai acontecer e que não pode evitar.
Mas nada aconteceu, nada mais ouviu, só os sons do trânsito e o silêncio dos clientes que abandonavam a Virgin, uns com sacos outros nem tanto.
Respirou fundo e sentiu uma pequena gota de transpiração que lhe percorria o pescoço, seria o calor, a canícula que Lisboa atravessava neste período bem poderia ter consequências graves para a saúde, os hospitais não tinham mãos a medir, tinha ele ouvido de manhã na rádio, insolações, também as pessoas tinham pouco cuidado, não é?
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