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terça-feira, outubro 19, 2004

O telemóvel que um dia começou a falar (1)
Decididamente, não se tratava de um objecto de luxo. Fez as contas, no 16 metade dos passageiros do autocarro tinham telemóvel e faziam gala disso, então a que horas chegas, eu devo estar em casa para aí em meia hora, olha, estamos a passar no Marquês...
E depois fazia jeito, ninguém o poderia negar, estar contactável e poder contactar a toda a hora. Também não eram muito caros, os preços tinham descido muito, e alguns eram tão bonitos, assim pequeninos, e com toques tão engraçados, só haveria que ter algum cuidado com a duração das chamadas, uma pessoa rapidamente se podia distrair e na volta levar com uma conta de cem contos, já tinha ouvido histórias dessas e piores, como aquele reformado do Norte que recebeu uma factura de mil e tal contos, mas isso não era o telemóvel, eram as chamadas de valor acrescentado, parece, enfim, qualquer coisa desse tipo.
Decidiu-se por um dos últimos modelos, que comprou na Telecel da Avenida da Liberdade, não era complicado, em três tempos o vendedor explicou o funcionamento, registou o contrato e disse-lhe que era só carregar o cartão no Multibanco mais próximo, poderia imediatamente começar a utilizá-lo, a bateria estava cheia, então parabéns, olhe que fez uma óptima compra, esse até dá para receber E-mails, não se pára o progresso.
Seguiu todas as instruções e carregou o cartão no Multibanco ali ao lado, depois ligou o telemóvel, no botão que lhe tinham indicado, e viu os pequenos caracteres que se passeavam pelo mostrador, melhor, o ecrã de cristais líquidos, como lhe tinham explicado.
Começou a descer a avenida, sem saber bem o que fazer, apetecia-lhe telefonar a alguém, dar a boa nova, mas assim de repente não se lembrava de ninguém.

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