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quarta-feira, abril 28, 2004

Clichés
Outros blogs, como o Estrangeirados e o Memória Inventada, vêm de vez em quando perorar sobre o tema do estrangeirado ao qual eu, estrangeirado que sou, também sou sensível. Comecemos pelo cliché. O cliché é, como todas as generalizações, muito útil, quanto mais não seja por aquilo que nos diz sobre quem o utiliza e sobre quem o sofre. Quando cheguei a França, estava em curso uma publicidade a um vinho do Porto. A imagem utilizada era a de uma mulher completamente vestida de preto, com uma espécie de vestimenta de inspiração claramente árabe que era mais túnica que xaile, e lenço na cabeça. O slogan rezava, referindo-se obviamente a Portugal: "Pays où le noir est couleur". Independentemente da indigência do slogan (beurk), o que interessa aqui é referir que poderemos percorrer Portugal de lés a lés e não encontrar uma única mulher vestida como aquela que a publicidade ao vinho do Porto nos transmitia. Era claramente uma campanha concebida por uma agência francesa, que se socorreu, com alguma ignorância à mistura, dos clichés dos franceses quanto a Portugal. É certo que há cada vez mais portugueses de segunda ou terceira geração que não se distinguem já dos franceses e que desempenham as mais variadas profissões. Esse é também o discurso oficial dos próprios franceses, junto com a habitual palavra de simpatia para a emigração portuguesa, tão simpática e trabalhadora (a que contrapõem, embora com vergonha de o dizer claramente, os magrebinos). Tudo isso é verdade, mas no fundo a realidade é que o cliché, 40 anos depois da primeira vaga de emigração portuguesa, continua presente na cabeça dos franceses: o emigrante português é pedreiro se for homem e anda nas limpezas ou é a porteira do prédio se for mulher. Em ocasiões "sociais", com pessoas de várias nacionalidades, a que íamos de vez em quando, não foram poucas as vezes em que, sabendo que era portuguesa, a interlocutora da minha mulher, sobretudo se francesa, começava automaticamente a elogiar a sua mulher-a-dias, por acaso portuguesa, tão simpática, prestável e eficaz. Um dia a E. chateou-se e começou a responder "tem piada, a minha é francesa e também é óptima" (o que era – e é - verdade). Eu adorava sempre ver o ar desamparado da vítima da E., sem saber como continuar a conversa.
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