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segunda-feira, março 22, 2004

A Democracia na sua mais alta vitalidade ?

Confesso que tenho resistido em escrever sobre o 11 de Março espanhol! A principal razão é que, imediatamente a seguir às primeiras notícias, senti que algo estava errado. Aliás, tudo estava errado. Começando obviamente pelas mortes de inocentes. Mas, no plano político, principalmente pela atabalhoada forma como membros do então Governo espanhol disparavam, também eles, acusações à ETA. Não batia certo por várias razões já hoje totalmente dissecadas, mas que naqueles dias pareciam ser tabú. Recordo-me de comentar com amigos no próprio dia 11 e nos dias seguintes que não "acreditava" que tivésse sido um atentado da ETA e da forma como, perante a minha argumentação justificativa dessa "crença", olhavam para mim... Depois das eleições comentei com um desses meus amigos (que por acaso viaja frequentemente para Madrid) novamente o tema e a reacção foi de ainda não acreditar (fazendo-me lembrar o Chico Picancas que no início da década de 70 se recusava a acreditar que o homem tivésse pisado a Lua e que discutia isso até à exaustão com a professora de Geografia do 7º ano de escolaridade) e, depois, de começar a discutir o QI do novo primeiro ministro espanhol! Felizmente (?) este meu amigo não é representativo da maioria de espanhóis que votaram nas últimas eleições (aliás, ele nem é espanhol!).

Mas o que mais me fez evitar escrever sobre o assunto e que ao mesmo tempo me leva hoje a fazê-lo, foram os comentários dos media portugueses sobre o resultado das eleições espanholas. Muitos eles em redor do tema da vitalidade da democracia. Que os espanhóis deram uma lição do que significa democracia. E outras coisas do género. O problema é que não é nada disso! O que aconteceu não é o resultado da vitalidade da democracia, mas sim do facto de a democracia apesar de ser o melhor sistema de organização política conhecido, não é perfeito. Porque se fosse perfeito, o Governo espanhol não teria apoiado a invasão do Iraque, contra 90% dos seus compatriotas. Mas foi o facto de ser uma democracia ocidental, com regras bem precisas de funcionamento, que fez com que o Governo espanhol, tendo sido nomeado em resultado de eleições democráticas que deram a maioria ao partido político que lhe estava subjacente, apesar do "sentimento do povo", optou convictamente pelo apoio à invasão. Tudo estaria (no plano argumentativo, claro) certo se perante o 11 de Março, os governantes espanhóis não tivessem perdido a cabeça numa lógica de "apego" ao poder. Tudo estaria certo (no plano das convicções) se os membros do Governo espanhol tivessem afirmado que mesmo não tendo sido a ETA, as suas decisões passadas e a sua postura presente de apoio à invasão do Iraque se mantinha. Ou ainda que se tinham arrependido porque decidiram num contexto informativo que se veio a demonstrar manipulado e portanto indutor de decisões contra-natura. Mas nada disso aconteceu! A democracia serviu para que supostos representantes do Povo mentissem antes e mentissem depois (na primeira vez eventualmente sem culpa, mas na segunda, certamente). E portanto, se a Democracia se demonstra (apenas) com vitalidade depois de morrerem 200 pessoas e mais de 1000 ficarem feridas, que nos resta esperar nos dias de hoje quando votamos? Provavelmente votar em quem não tenha possibilidades de governar... o que é obviamente um contra-senso! Porque o voto (diz a Ciência Política) tem como objectivo eleger. E os eleitos têm como responsabilidade e objectivo dirigir! Que fazer deste ciclo vicioso não sei! Mas que não há vitalidade em democracias que só reagem à morte, estou certo!


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