<$BlogRSDUrl$>

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Ostensivamente
O Parlamento francês discute neste momento a polémica lei da proibição dos símbolos religiosos na escola. Trata-se de uma situação que tem sido discutida um pouco por todo o lado (e também na blogosfera, principalmente no Causa Nossa) mas sobretudo, como é natural, em França onde, ainda por cima, existe uma sensibilidade exacerbada quanto a estas coisas, fruto por um lado da tradição jacobina e por outro da presença da maior comunidade muçulmana na Europa. É-me difícil chegar a uma posição definitiva nesta matéria, que é tão complexa e joga com factores contraditórios, mas muitas vezes de importância equivalente. A minha tendência é no entanto julgar que se trata de uma lei má, por motivos jurídicos e políticos.
Por motivos jurídicos: antes de mais, e ao contrário de Vital Moreira, não creio que a liberdade religiosa, enquanto tal, esteja em risco com este projecto; assim já o decidiram, quanto a legislações similares, e mais rigorosas, a Comissão e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Mas isso não chega. A primeira qualidade de uma lei é que as suas disposições possam ser interpretadas de maneira clara e precisa. Ora o adjectivo "ostensible", escolhido pelo Governo, está longe de respeitar esta condição e dará inevitavelmente origem a situações confusas; e todos sabemos como a realidade é reticente a encaixar nos conceitos jurídicos. Além disso, trata-se de uma lei que dificilmente escapa à acusação de ter destinatário individualizado: todas as discussões em França têm demonstrado ser claramente o véu islâmico o principal visado e só a preocupação de não hostilizar - apetecia-me dizer "ostensivamente" - a comunidade muçulmana, levou a incluir no "pacote" a kippa judaica e o crucifixo.
Por motivos políticos: em França opõe-se a integração ao comunitarismo. Ora não é impossível defender que estes dois conceitos não são opostos, antes se completam, tudo dependendo também de uma gestão inteligente do problema pelo Estado. Este projecto, parecendo querer favorecer a integração, acabará por favorecer o comunitarismo. Em qualquer caso, tornará mais difícil tentar conciliar estes dois conceitos. Acresce que o problema do véu nas escolas francesas é, não obstante a gritaria mediática, quantitativamente reduzido. Num universo de milhares de escolas e milhões de estudantes, contar-se-ão apenas algumas dezenas, talvez uma centena ou pouco mais, de casos de expulsão ou sanção disciplinar grave, ao longo de várias décadas (esta é uma afirmação empírica, não fui à procura dos dados estatísticos). Tendo em conta estes dois factores, melhor seria, em consonância aliás com o princípio da subsidiariedade, deixar para as autoridades locais aquilo que elas farão melhor que uma lei geral: são os directores e responsáveis de cada escola que melhor saberão, por estarem mais próximos das realidades, como reagir a determinada situação de facto em cada caso concreto.
Para terminar, e para que não restem dúvidas: penso que o uso do véu islâmico reflecte, objectivamente, um tratamento discriminatório das mulheres. Penso que o uso do véu deveria ser proibido sempre que estejam em causa razões de segurança ou saúde pública (por exemplo, em determinadas aulas nas escolas, mas também nos hospitais e laboratórios). Sou a favor da laicidade na escola pública, sem que isso ponha obviamente em causa a possibilidade de existência de escolas confessionais, desde que não subsidiadas, sem motivo objectivo válido, pelo erário público. Enfim, não tenho religião, a não ser o Sporting.
Comments: Enviar um comentário

This page is powered by Blogger. Isn't yours?