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sábado, novembro 22, 2003

Protesto
Tenho a felicidade (ou talvez não, tudo depende da perspectiva) de trabalhar num daqueles edifícios oficiais que atraem as manifestações como o mel. Periodicamente, lá aparece mais um grupo com uma reivindicação qualquer. Todavia, quem mais desperta a minha curiosidade são os manifestantes individuais. Vocês sabem, aqueles que chegam com cartazes, que se instalam à frente do edifício e gritam a sua desgraça ao mundo. Por exemplo, temos um que abancou há uns meses aqui à frente. Montou uma tenda num espaço verde do outro lado da rua e é aí que vive. Recusou a sugestão de ser instalado num lar dos serviços sociais, que desejavam sobretudo protegê-lo do Inverno rigoroso deste meridiano. Esta semana uma mulher acorrentou-se às grades exteriores, que dão para o pátio da entrada. Jovem, elegante, bem vestida, longe dos critérios físicos estereotipados que denunciam, diz-se, a irremediável loucura de um ser. Tinha, como sempre, uns cartazes que vi de relance. Uma filha de quem está separada, parece, resultado, obviamente, de uma enorme injustiça qualquer. Quando passo por estes manifestantes, lembro-me do título de um filme de Marco Ferreri, que se chamava "Contos da loucura normal" (só o título é relevante para o que me ocupa agora). Que ínfima centelha transforma um cidadão cumpridor das suas obrigações sociais, mais a sua vida corriqueira, em manifestante convicto e exaltado? Como é que aquela pessoa, que diríamos a todos os títulos "normal", decide acorrentar-se assim? E, mais angustiante, quem está mais vivo, eu ou ela? Não sei responder a estas perguntas. Só sei que quando passo por estas pessoas, encaro-as por um segundo antes de desviar o olhar e seguir, quase envergonhado, o meu caminho sem pensar em mais nada. A não ser talvez no frio que está hoje.
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